No início da reportagem, escrevi para Lailson dizendo que eu teria de me controlar como fã da arte dele, para que isso não atrapalhasse o aprendiz de repórter. Mas é a emoção que nos mantém vivos.
Sem dúvida, os traços de Lailson daquela época, em Recife, reforçaram o meu interesse em lidar com a realidade do povo. Naqueles anos em que meu saudoso pai, sedento de justiça social, também me dera essa sensibilidade.
Quando respondeu a entrevista, Lailson me enviou a charge sobre a fome infantil, que ele publicou na Revista Stern no ano passado e que fez parte da exposição Draw Attention, promovida pela UNICEF.
MC - Em 2004, o site Universo HQ publicou que o humor gráfico mundial e brasileiro vinha perdendo cada vez mais público para outras mídias. Como está o panorama agora?
Lailson - Esta é uma questão que tem sido motivo de algumas conversas em nosso meio.
Em minha opinião, ocorreu uma certa regressão na interpretação do mundo, desde que se começou a falar no "politicamente correto", que é, na verdade, um tipo de censura do pensamento.
Por outro lado, passou a haver uma glamourização da miséria, da periferia, como se elas fossem fatores de desejo e não situações onde um ser humano é levado a viver - e conviver - com condições intelectuais e físicas bastante questionáveis.
O Humor Gráfico busca fazer a análise e a crítica dos costumes e não apenas provocar o riso fácil.
Com essas novas tendências comportamentais - que se refletem na mídia - os veículos passaram a querer "pautar" a opinião dos chargistas e reduzir a charge à uma piadinha inofensiva.
Ao mesmo tempo, as pessoas buscam apenas o entretenimento mais superficial e não são levadas a se interessar por uma análise mais profunda da realidade.
MC - O que você diz do chargista Michael Ramirez, ganhador do Prêmio Pulitzer por duas vezes?
Lailson - O humor de Ramirez é muito típico dos EUA.
As pessoas no Brasil tendem a achar que existe uma grande diferença entre Democratas e Republicanos, que os Democratas seriam de esquerda e os Republicanos de direita.
Isso é uma ilusão.
Pode-se dividi-los em liberais e conservadores, mas ambos são de direita.
A diferença entre a proposta democrata e a republicana, no que se refere ao Iraque, por exemplo, é que os democratas dizem que os EUA devem se retirar no curto prazo e os republicanos que deve se retirar em médio prazo, mas nenhum questiona o absurdo e a insensatez que foi invadir aquele país, nem questionam os motivos que nortearam a invasão.
Então, Ramirez reflete bem esse universo e agrada à maioria conservadora, que elegeu Bush e que, apesar de insatisfeita, é muito provável que eleja McCain.
Acho o desenho dele muito bom, de uma escola tradicional da charge americana e européia. O fato de ele receber dois Pulitzer mostra o reconhecimento que ele, como profissional, recebe dos seus pares.